Fernando António Nogueira Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888 em Lisboa. Morreu aos 47 anos na mesma cidade onde nascera.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!,
o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
Kommentare
Teresa de Longe, que o Carinho traz de perto, obrigada por o lembrares. Num dia especial. Beijo, Carmo
O que quero pedir é muito simples de me concederes: por favor, não digas que não és capaz de dizeres as coisas como as outras pessoas, não digas que já disseram, não te meças por baixo, minha Querida.
Eu gosto da tua maneira simples, despretensiosa, mas sensível, de dizer as coisas. Eu gosto de todas as maneiras a que recorres para falar de Portugal. Eu consigo ver a espectadora atenta por detrás dos actores e actizes que decides recodar, e não uma pessoa que simplesmente foi ao cinema e gostou.
Eu gosto do teu pudor familiar, da tua redoma. Eu gosto que tu gostes de futebol. Gostas, e depois? És entusiasta, não tens "peneiras", vibras, isso é ser-se natural. É assim que tu és e não te trocaria por nenhuma Teresa convencida de que era a melhor do mundo e arredores.
Quando alguém já tiver dito o que irias dizer, escreve como sentes. Verás que, certamente, a tua mensagem, o teu comentário, terá tanto valor ou mais do que os outros que te pareceram o supra-sumo.
Resumindo: Tu és Tu e eu gosto de ti como és. Estamos entendidas? Um abraço apertado, longo, grato e algo comovido da Avó Pirueta
Q
Teimoso em aparecer nos testes - e exames quem sabe - rango os dentes pela sua intelectualizaçao e delicio os olhos com palavras tão sóbrias e eloquentes.
Pessoalmente, o heterónimo Alberto Caeiro é o que mais me agrada, embora a Mensagem na parte do Mar Portugues seja inacreditavelmente bela.
120 ANOS
- Parece que foi ontem ah Pessoa?
^^
Rita
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!'
é incrivel como esta pessoa tinha (quase) sempre razão...
adorei a escolha do poema, teresa.
beijinho*
>>Mariana Silva