Comentários de Jorge Castilho referentes à morte de duas personalidades diferentes: Robert Rauschenberg e Irena Sendler

Comentário de 14 de Maio de 2008

"Já que o Janelar assinala o falecimento de alguém que se notabilizou nas artes, deixe que lhe sugira que referida seja também a morte, na passada segunda-feira, de uma Mulher notàvel, que de uma forma corajosa como discreta salvou 2.500 criancas.
É uma personalidade pouco conhecida, mas cuja accao bem merece ser divulgada, para que dela perdurem o exemplo e a memória.
Aí vao alguns enderecos onde poderao recolher-se elementos sobre Irena Sendler."

http://www.irenasendler.org/

Comentário de 15 de Maio de 2008

"Nao tem de sentir-se culpada, nem o meu comentário continha qualquer censura. Pretendeu ser apenas um alerta para um esquecimento perfeitamente natural, já que Irena Sendler nao era propriamente uma figura mediática.
Também nao aceito a sua confissao, porque alguém cujo mundo é o das artes (como intuí do que afirma) nao conseguirá, seguramente, alhear-se do belo que emana de gestos como o de Irena Sendler ou do nosso Aristides de Sousa Mendes (para citar apenas dois exemplos dessa época trágica). Estou certo de que a sua sensibilidade estética nao está blindada, mas será apenas a componente mais "visível" da sua sensibilidade humana, integral."


Comentário de 16 de Maio de 2008


Há uns anos visitei Nürnberg, com um amigo alemao que me levou aos arredores da cidade, ao local onde Hitler proferia os seus inflamados discursos perante magalómanas hostes. Achei estranho que o local (onde já só resta o gigantesco "púlpito", pois o terreno foi transformado num parque desportivo), nao contasse dos roteiros, uma vez que é talvez aquele que mais vezes surge no cinema e na televisao (nomeadamente em documentários de Leni Riefenstahl. uma Mulher cujo génio multifacetado muito admiro). A explicacao dada pelo meu amigo foi a de que os alemaes querem esquecer. Ora há coisas que nao podem, nem devem, ser esquecidas. Por um lado isso seria desonestidade intelectual para com as novas geracoes, a quem se nao devem passar atestados de menoridade, mas antes expor os factos para que os julguem e evitem que eles se repitam. Por outro lado seria indesculpável desrespeito pela memória de todos quantos sofreram as consequencias dos despotismos. E sublinho que isto nao tem a ver apenas com o "Dritte Reich", mas antes com todos os regimes desrespeitadores dos mais elementares direitos humanos, fossem o de Hittler, o de Staline, o de Ceauseseu Para citar apenas alguns). E já nao falo nos genocídios que se vem cometendo em Africa - que nós, europeus, encaramos, displicentemente, como coisas de selvagens. Permito-me recordar-lhe que recentemente, já na sua geracao, em plena Europa dita civilizada, se cometeram outros genocídios na ex-Jugoslávia, perante uma chocante passividade que consentiu a morte de milhares e milhares de homens, mulheres e criancas.

Por tudo isto que o espaco nao me consente aqui referir) nao pode, nao deve apagar-se a memória. Nem a dos bons (recorro a esta redutora dicotomia para simplificar ...). Para que nao mais se consintam os crimes dos primeiros e para que se ensinem aos mais novos os extraordinários exemplos de altruísmo (de pessoas como Schindler, Irena, Bonhoeffer, Sousa Mendes e tantos outros) num mundo de cada vez mais egoísta! Acredite que nao sou xenófobo nem germanófobo! Pelo contrário, tenho bons amigos alemaes e admiro muitas das qualidades do povo alemao: de trabalho, de rigor, de coragem, de persistencia, de "fome" de cultura ...

Provàvelmente está a achar o meu discurso passadista. Admito que o seja. É o discurso de alguém que já viveu mais de meio século, que assistiu a coisas extraordinárias, mas também outras execráveis. Alguém cujo Pai foi preso pelo regime salazarista apenas porque defendia a liberdade e a justica social. Alguém que foi forcado a participar na Guerra Colonial, em Angola, onde viu morrer alguns amigos mas também se consternou com outros amigos que gostavam de matar... E apesar de eu ter participado nessa guerra, nao me considero dela culpado, antes vítima (só eu sei o que ela me afectou). Por isso, e por uma questao de inteligencia básica, nao culpo o povo alemao pelas atrocidades do nazi-fascismo do Hitler. E se alguém o faz comete reprovável acto de estultícia. As guerras sao sempre algo bem mais terrível do que as imagens que delas nos chegam. Ainda assim, e a propósito do que se passou "há quase 70 anos", como sublinha, recomendo-lhe vivamente que quando puder ir até Franca se desloque à verde regiao da Normandia e nela visite o espantoso Museu de Caen e as praias onde aconteceu o desembarque dos Aliados no Dia D. Estou certo de que mudará de ideias e que o que entao aconteceu (há pouco mais de 60 anos ...) passará a fazer parte do seu Mundo, que é o Mundo real, aquele onde os seus filhos irao viver - e que, infelizmente, nao é só cor-de-rosa e azul celeste ..."



http://http://www.memorial-caen.fr/



Deixo os meus leitores com as palavras profundas de Jorge Castilho, palavras essas que me deixaram envergonhadíssima, por causa do meu comentário: "Confesso: o meu mundo é o do Rauschenberg e nao o da Irena Sendler."



Para uma ideia mais completa desta discussao vejam o Janelar de 14 de Maio de 2008 "Rauschenberg: 1925 - 2008



































Kommentare

  1. Obrigado pela partilha dos Comentários de Jorge Castilho. Eu apenas conhecia Irena Sendler. Somos seres aprendentes, todos, e assim vamos fazendo o caminho. Uns sabem umas coisas outros outras e é "juntos" que sabemos mais.
    Carpe diem!

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  2. A primeira vez que ouvi falar da Irena Sendler fui no dia 20 de Abril de 2008, no seu blogue Raúl.
    Testemunhos de Vida - A mae dos Meninos do Holocausto.

    "Nao se plantam sementes de comida.
    Plantam-se sementes de bondade.
    Tratem fazer um círculo de bondade:
    Este os rodeará e fará crescer mais e mais."
    Irena Sendler

    O Robert Rauschenberg é o meu companheiro de muitas tardes passadas no K20. Aqui estao algumas obras desta última ícone da Pop Art.

    Somos diferentes, mas caminhamos juntos, Raúl!

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  3. Teresa...
    um dia se não se importar gostava que me esclarecesse algumas dúvidas relativas à 2da GGM para os alemães.
    Eu pessoalmente, já fui muito extremista no que toca a "culpas" neste assunto.


    Rita

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  4. Ao contário de ti, Rita, nunca quis ouvir falar de culpas. Quis sempre esquecer o que se passou no "Dritte Reich". Nunca quis ouvir falar do Arístides Sousa Mendes ou de pesssoas como ele.
    E depois tudo comecou com a morte do Rauschenberg no Janelar. Lá podes perceber tudo o que te quero dizer.
    Os comentários de Jorge Castilho, ou melhor as respostas dele, ficaram de tal maneira marcadas na minha mente que as tive de publicar aqui.
    Ele ve as coisas com tal clareza, sem ser cego de nenhum olho, como os meus amigos alemaes das esquerdas.
    Nao se deve ser extremista:
    tu com as "culpas" e eu com as "desculpas".
    É necessário fazer uma análise precisa e justa. E isso fez o Jorge Castilho sem dúvida.
    Também gostava de ter aqui o comentário do Diogo.

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  5. Calaram-me fundo as suas palavras. Quero-lhe dar os meus parabéns pelo seu testemunho de humildade.
    Um abraço fraterno.
    :)

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  6. Cara Teresa
    Antes do mais, quero agradecer a sua amabilidade por publicar os meus comentários e, sobretudo, a grandeza de carácter que revela ao vir, publicamente, assumir-se envergonhada por ter dito que o mundo de Irena Sendler não era o seu. Esse belo gesto só revela que, afinal, o mundo de Irena e de tantas outras pessoas altruístas é também o seu!
    Quanto à forma de reproduzir os comentários, de facto há processos bem menos trabalhosos do que o utilizado por si. Vou tentar explicar.
    Mais abaixo reproduzo o texto que escrevi.
    A Teresa só terá que o seleccionar, o que se faz premindo o botão esquerdo
    do rato e com ele assim pressionado passar por cima do texto que pretende copiar e que vai ficando coberto por uma sombra azul.
    Quando tiver seleccionado todo o texto que pretende (portanto com o
    referido texto ainda coberto pela tal mancha azul) só terá de carregar na tecla "Ctrl" (a última no canto inferior esquerdo do teclado) e ao mesmo tempo na tecla "C". Ao fazer isso estará a fazer uma cópia virtual do texto, isto é, uma cópia que fica na "memória" do computador.
    Depois só terá de ir para o local onde quer reproduzir o texto (ou no seu blog, ou num ficheiro de word, etc), colocar o cursor do rato (que é este risco ao alto que aparece no ecrã no lugar da seta quando se move o rato)no local onde pretende colocar o texto, fazer um clique no botão esquerdo do rato, largar o rato e premir de novo a tecla "Ctrl", mantê-la presa e carregar na tecla "V". E assim o texto que antes copiou será descarregado no sítio que pretende.
    Aqui vou, já de seguida, colocar o meu texto, para a Teresa fazer a
    experiência:
    Há uns anos visitei Nuremberg, com um amigo alemão que me levou aos arredores da cidade, ao local onde Hitler proferia os seus inflamados discursos perante magalómanas hostes. Achei estranho que esse local (onde já só resta o gigantesco "púlpito", pois o recinto foi transformado num parque desportivo), não constasse dos roteiros, uma vez que é talvez aquele que mais vezes surge no cinema e na televisão (nomeadamente em documentários de Leni Riefenstahl, uma Mulher cujo génio multifacetado muito admiro). A explicação dada pelo meu amigo foi a de que os alemães querem esquecer.
    Ora há coisas que não podem, nem devem, ser esquecidas. Por um lado isso seria desonestidade intelectual para com as novas gerações, a quem se não devem passar atestados de menoridade, mas antes expor os factos para que os julguem e evitem que eles se repitam. Por outro lado seria indesculpável desrespeito pela memória de todos quantos sofreram as consequências dos despotismos. E sublinho que isto não tem a ver apenas com o "Dritte Reich", mas antes com todos os regimes desrespeitadores dos mais elementares direitos humanos, fossem o de Hitler, o de Staline, o de Ceausescu (para citar apenas alguns). E já não falo nos genocídios que se vêm cometendo em África - que nós, europeus, encaramos, displicentemente, como coisas de selvagens. Permito-me recordar-lhe que recentemente, já na sua geração, em plena Europa dita civilizada, se cometeram outros genocídios na ex-Jugoslávia, perante uma chocante passividade que consentiu a morte de milhares e milhares de homens, mulheres e crianças.
    Por tudo isto (e muito mais que o espaço não me consente aqui referir) não pode, não deve apagar-se a memória. Nem a dos maus, nem a dos bons (recorro a esta redutora dicotomia para simplificar...). Para que não mais se consintam os crimes dos primeiros e para que se ensinem aos mais novos os extraordinários exemplos de altruísmo (de pessoas como Schindler, Irena, Bonhoeffer, Sousa Mendes e tantos outros) num mundo de cada vez mais egoísta!
    Acredite que não sou xenófobo nem germanófobo! Pelo contrário, tenho bons amigos alemães e admiro muitas das qualidades do povo alemão: de trabalho, de rigor, de coragem, de persistência, de "fome" de cultura...
    Provavelmente está a achar o meu discurso passadista. Admito que o seja. É o discurso de alguém que já viveu mais de meio século, que assistiu a coisas extraordinárias, mas também a outras execráveis. Alguém cujo Pai foi preso pelo regime salazarista apenas porque defendia a liberdade e a justiça social. Alguém que foi violentamente agredido pela polícia na Crise Académica de 1969. Alguém que foi forçado a participar na Guerra Colonial, em Angola, onde viu morrer alguns amigos mas também se consternou com outros amigos que gostavam de matar... E apesar de eu ter participado nessa guerra, não me considero dela culpado, antes vítima (só eu sei o que ela me afectou). Por isso, e por uma questão de inteligência básica, não culpo o povo alemão pelas atrocidades do nazi-fascismo de Hitler. E se alguém o faz comete reprovável acto de estultícia.
    As guerras são sempre algo bem mais terrível do que as imagens que delas nos chegam. Ainda assim, e a propósito do que se passou "há quase 70 anos", como sublinha, recomendo-lhe vivamente que quando puder ir até França se desloque à verde região da Normandia e nela visite o espantoso Museu de Caen e as praias onde aconteceu o desembarque dos Aliados no Dia D. Estou certo de que mudará de ideias e que o que então aconteceu (há pouco mais de 60 anos...) passará a fazer parte do seu Mundo, que é o Mundo real, aquele onde os seus filhos irão viver - e que, infelizmente, não é só cor-de-rosa e azul celeste...

    Diga-me depois de as minhas indicações foram úteis e se a experiência
    resultou.
    Espero ter tempo, amanhã, para visitar o seu blog e lá deixar, então, um comentário.
    (Confesso que a esta hora , quase 4da madrugada, e com o cansaço, não seria um leitor atento).
    Desejo-lhe um excelente fim-de-semana!
    Saudações muito cordiais do
    Jorge Castilho

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  7. Cara Teresa

    Não tem nada a agradecer-me. Eu é que lhe fico grato pela sua gentileza.
    Ainda esta madrugada vou tentar visitar o seu blogue (sou "bicho" nocturno, pois durante o dia tenho tantas solicitações - reuniões, telefonemas, encontros... - que só quando os outros dormem eu consigo, verdadeiramente,
    ter alguma tranquilidade para trabalhar, para ler, para escrever aos amigos...)
    E fique certa de que lhe farei as críticas que achar pertinentes - mas também que elas serão sempre sinceras e com intuito construtivo.
    Relativamente à sua Amiga Vivien, tenho de pedir, a si e a ela, que me perdoem pelo meu comentário precipitado.
    Obviamente que quando ela a criticou por ter casado com um alemão, o fez exactamente por ser sua amiga, e por pensar que essa não seria, para si, a melhor opção.
    Mas se a vir feliz com o companheiro que escolheu, decerto que feliz ficará ela também - sobre isso não tenho dúvidas!
    Naturalmente que continuará a ter notícias minhas, enquanto a Teresa o desejar, do mesmo modo que para mim será muito agradável receber as suas, sempre que tiver paciência para mas enviar.
    Um abraço muito caloroso desta fresca e calma madrugada de Coimbra!
    Jorge Castilho

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